Eu tive uma avó inesquecível. Era o protótipo da avó: gordinha e mineira. Estava sempre de avental fazendo suas delícias na cozinha. Adorava fazer doce, cocada, paçoca e muito mais. Eu pensava que toda avó era gorda e boa. E as magras, achava que eram más como as bruxas.
Vovó se chamava Maria Augusta e foi uma pessoa muito sofrida. Eu cresci ouvindo suas histórias e descobrindo que meus antepassados eram uma mistura de índios, portugueses, italianos e irlandeses.
Existia uma família em Campos dos Goitacazes, no interior do Rio de Janeiro, que era muito tradicional e rica. Carolina (ou Maria Luiza) de Almeida Sampaio era a matriarca que, além de cuidar de suas terras, tinha um Hotel muito bem frequentado na cidade de Friburgo. Seus filhos se chamavam João Luiz de Almeida Sampaio e Marina de Almeida Sampaio.
João, ou melhor vovô Sampaio, era um homem de estudo e muito educado. Aos dezenove anos, foi trabalhar na estrada de ferro que ia até Minas Gerais. Lá, na cidade de Ubá, ele conheceu uma mulher chamada Jorcelina e se encantou por ela. Jorcelina era filha de uma índia que, em 1850, foi laçada no mato por um português safado que já era casado mas levou a índia para sua casa. Jorcelina então, era uma mistura de índio com português, e, segundo vovó, meio bronca, grossa, sem educação e feia. Mas o que importa é que também se encantou por João Luiz e os dois se casaram. Desse casamento nasceram Maria Augusta, João e José.
A matriarca Carolina, mulher de opinião e personalidade forte, não gostou da ideia quando soube desse casamento. Começou a escrever cartas desaforadas para seu filho. E talvez tenha influenciado muito na desavença entre o casal porque, ao mesmo tempo, João também já não estava se entendendo muito com a Jorcelina. Muito irritado e nervoso, pegou Maria (com 9 anos) e João (com 7 anos) e disse que ia dar uma volta. Mas entrou no trem e foi para Campos. Sequestrou as crianças. Quando Jorcelina soube, pegou o José que era mais novo, entrou no trem e foi para Campos também. Lá chegando, virou para a Carolina e disse: já está criando dois então fica com esse também. E sumiu no mundo.
Assim, vovó aos nove anos passou a ser criada por sua avó paterna, que não gostou nada dessa situação. Ela não demonstrava nenhum carinho pela neta e implicava com tudo que a criança fazia. Resolveu então, colocá-la num colégio interno. Tinha condições de pagar mas ao invés disso, conseguiu uma bolsa onde Maria iria estudar em troca de serviços domésticos na cozinha. Era a própria gata borralheira. A avó Carolina tinha netos também da sua outra filha, Marina. E sempre dizia assim: Filhos de minha filha, meus netos são. Filhos do meu filho, serão ou não. Ou seja, para os filhos da Marina, tudo. E para os filhos do João Luiz, nada!
O Colégio Batista, em Friburgo, era um dos melhores do Brasil e vovó teve uma educação da melhor qualidade. Recebia meninas de famílias ricas de todo o país. Com isso, vovó fez amizades com meninas de boas famílias, como Nair de Teffé, Bahut e outras famosas como a esposa do Ministro Hélio Beltrão.
Aqui preciso contar sobre como vovó Maria conheceu o marido.
Vovó tinha um primo que era seu pretendente. Mas um dia, conheceu Francisco com aquele porte atlético, bonito e muito simpático. Então, ela trocou o primo pelo "bonitão" e eles se casaram. Mas acho que a troca não foi muito boa.
Como já contei antes, Francisco era um mulherengo e abandonou vovó com seis filhos pequenos: Norma, Ivone, Irene, Eunice, Célio e José.
A situação ficou grave quando ela percebeu que ele não voltaria mesmo. Então, vovó foi vendendo coisas de valor que tinha em casa como quadros, louças, moveis, e algumas bandejas de prata. Antes do vovô Chico largar a família, a vida era normal e eu diria que até muito boa, sempre com carne, galinha, macarronada e muita sobremesa, pois vovó era exímia em doces mineiros.
Dos irmãos que também foram entregues para a matriarca em Campos, pouco se sabe. João foi Sub- Oficial da Marinha de Guerra. Morreu na explosão do cruzador Bahia na costa do Rio de Janeiro no final da guerra em 1945. E José, ainda jovem, foi morar no Rio de Janeiro e trabalhar em uma padaria na rua Hadock Lobo. Teve tuberculose e morreu em três meses com 32 anos de idade.
Vovó era meu exemplo de vida. E eu sempre pensei assim: quando eu for avó, quero ser igual a ela. E é o que tento fazer por meus netos.