História contada pela vovó Norma.
Durante os anos que estive na escola eu fazia redações em português enquanto cursava a 5ª. Série. Estas eram tão boas que a Diretora do colégio mandava publicar no jornal da cidade, chamado Tribuna de Petrópolis até hoje existente.
A minha assinatura nesta época era Norma Sampaio Francioni. Vi diversas vezes meu nome no jornal assinando minhas redações.
Não tive oportunidade financeira para fazer o ginásio. Pedi então eu mesma para entrar para a Escola de Música Santa Cecília, para aprender a tocar piano. Fui sozinha e matriculei-me, mas a minha alegria durou pouco. Meu pai deixou mamãe com seis filhos pequenos, sendo eu a mais velha com 14 anos.
Com a saída de papai, mamãe foi vendendo coisas de valor que tínhamos em casa como quadros, louças, moveis, e algumas bandejas de prata. Antes de papai ir embora, nossa vida era normal e eu diria que até muito boa, sempre com carne, galinha, macarronada e muita sobremesa, pois mamãe era exímia em doces por ser mineira.
Quando acabou o dinheiro, fui tirada da Escola de Música. Fiquei triste, decepcionada e chorei muito. Em vez de piano, eu tive que ir para a máquina de costura onde aprendi a costurar num atelier.
Mamãe me arranjava freguesas amigas e eu tive que trabalhar duro e o dinheiro que ganhava era todo para casa, pois a comida era sopa e às vezes só café com pão.
Nessa época mamãe começou a ir a Igreja onde tinha um Frei de nome Luiz Reinh, muito caridoso que dava bolsas de comida para os pobres, e assim a gente ia vivendo (mamãe era protestante).
Por fim, mamãe foi ser cozinheira de família rica e eu fiquei com tanta tristeza disso que emagreci 12 quilos, pois eu tinha 63 e passei para 51. Achei que era muita humilhação para ela que sempre teve empregadas para ajudar. Choramos tanto, eu e mamãe, que ela acabou não suportando tanto trabalho e saiu do emprego.
Eu não estava suportando mais aquela situação, pois mamãe sentia saudades de papai e os filhos também. Ele levou seis meses sem dar notícias e quando soubemos, por pessoas conhecidas, descobrimos que ele estava morando com outra mulher e ela esperava um filho dele.
Acabaram as pequenas esperanças que mamãe ainda nutria. Dinheiro nem é bom falar porque nunca mandou nenhum.
Meu avô Sampaio, pai de mamãe, não sabia de nada que se passava, pois ela sentia vergonha e dificuldade de comunicar aquilo ao pai. Nós morávamos em Petrópolis e vovô, em Nova Iguaçu. Um dia mamãe tomou coragem e contou, através de uma carta, tudo o que estava acontecendo conosco. Ao tomar conhecimento da situação da filha e dos netos, vovô embarcou para Petrópolis assim que leu a carta.
Chegou muito triste e chorou muito com mamãe e os netos abraçados. Deu 200 mil réis, que era muito dinheiro no ano de 1934, e prometeu 500 mil réis todos os meses.
As coisas melhoraram muito, mas eu, como já tinha diversas freguesas, continuei costurando para fora.
Nesta altura dos acontecimentos completei 15 anos em janeiro de 1935 e no carnaval, dia 4 de março, eu conheci José. Ele gostou muito de mim e eu dele. A princípio fiquei um pouco desconfiada devido à diferença de idade, quase 12 anos mais velho e eu pensava que ele poderia ser casado.
Mas o amor venceu a desconfiança. Mamãe foi tomar informações dele no Palácio Rio Negro em Petrópolis onde ele trabalhava quando o Presidente Getúlio Vargas ia passar o verão na cidade.
Nos outros meses, ele trabalhava no Palácio Guanabara no Rio de janeiro. Ficamos mais tranquilas quando soubemos que ele não era casado. Nos víamos sempre aos domingos depois que o verão acabou.
Assim foi o nosso namoro. Na sala, com mamãe e vovó Titina (mãe do meu pai) que morava conosco e sempre nos vigiando. Quando uma saia da sala ficava a outra e vice versa.
No dia em que completei 16 anos, 10 de janeiro de 1936, ficamos noivos e em 20 de julho do mesmo ano, casamos. Fomos morar em Nova Iguaçu junto com vovô Sampaio.
No dia 20 de abril de 1937 nasceu Paulo, meu primogênito. Estava com 17 anos e já tomando conta da casa, cuidando da criança e o pior é que eu não tinha prática de nada e me embaralhava toda.
Sempre fui chorona e ficava nervosa por não saber lidar com a casa. Tinha um balanço no quintal, numa árvore nos fundos da casa, e quando Paulo dormia eu corria para o balanço e deixava a comida queimar na panela. Aí eu chorava com medo de José brigar comigo porque não sabia fazer nada.
Ao contrário, nunca brigou comigo por causa disto e arranjou uma empregada de seus 35 anos para trabalhar e me ensinar. Aprendi aos trancos e barrancos, os anos passaram e a vida se acomodou.
No dia 23 de dezembro de 1939, nasceu Vera Regina. Depois, no dia 2 de outubro de 1944 nasceu Alice e no dia 08 de novembro de 1949, nasceu Silas.
Procurei fazer minha parte, sempre ajudando no orçamento doméstico com minhas costuras, vendendo doces em casa, objetos de miniatura japonesa, etc.
Hoje estamos casados há 64 anos, felizes graças a Deus apesar dos problemas de saúde que temos.
São 12 netos, 8 bisnetos, 2 noras, 2 genros e ainda Edson, casado com Carla, Daniela casada com José Paulo, Celi casada com Gustavo, Kelly casada com Flávio e Isabel casada com Fernando César.
Graças a Deus que até aqui nos ajudou. Amém!
Relato da tia Alice sobre a vovó Norma:
Minha mãe casou-se aos 16 anos e teve 4 filhos: Paulo, Vera Regina, Alice e Silas
Teve muito êxito como mãe, todos os filhos foram estudiosos e nunca teve maiores problemas com a gente. Não era muito afetuosa conosco, era mais preocupada com a nossa saúde, alimentação, e educação. Também não era de passar a mão na cabeça se fizéssemos alguma coisa errada.
Acho que o grande mérito de mamãe foi sua generosidade. Morávamos em MH numa rua que seria hoje um conjunto habitacional para os funcionários públicos. Porém, eram casas boas , com grande quintal e 3 quartos. Uma moradia digna. Ocorre que a grande maioria dos moradores eram pessoas muito mais simples que nós. Família numerosas com 10, 12 e até 20 filhos. Com isso, as mães não se preocupavam ou não tinham tempo para mandar os filhos pra escola. No máximo faziam o primário (hoje até a quinta série). Quando algum vizinho adoecia ou uma mãe ia parir, logo chamavam mamãe para ajudar.
Tinha uma veia artística muito grande. Era poetisa, compositora e cantora. Adorava cantar e ler a revista "Reader Digest", uma espécie de google de hoje em forma de revista. Era primorosa na costura, na cozinha, como vendedora ou o que precisasse fazer em tempos de vacas magras.
Acolhia a todos que precisassem de um abrigo ou de um prato de comida. Enfim, cumpriu muito bem seu papel de mãe, esposa e ser humano.
Show de bola Carlinha, parabéns pela bela iniciativa. Flávio.
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